quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Manifesto Terra Livre

Nos dirigimos aos trabalhadores, trabalhadoras, jovens, idosos,homens e mulheres do campo e da cidade, brasileiros que todos os dias doam seu suor para garantir o pão de seus filhos.

Acreditamos que chegou a hora de juntos assumirmos o papel de atores principais em nosso País.

Ao longo dos séculos um a um os governos das classes dominantes têm dilapidado as riquezas, explorando o povo, destruindo a beleza e impedindo uma vida digna às gerações que se sucedem.

De Norte a Sul sangra o nosso País, na miséria dos sem-terra e do assalariado do campo, na escravidão que ainda persiste, na prostituição de adolescentes e das mães solteiras.

Sangra o Brasil das favelas e das periferias, maltratadas pela opressão do tráfico varejista de drogas e do Estado, representado pela violência policial. Sofre o Brasil dos idosos, que recebem benefícios miseráveis e ainda enfrentam o descaso das filas dos hospitais.

Nas últimas décadas as vozes mais influentes das elites insistiram e impuseram uma ditadura do privado sobre o público, através de uma intensa campanha de mídia.

Disseram que o País cresceria com as privatizações, que todos ganhariam, que os preços cairiam e a qualidade dos serviços públicos seria melhor. Entregaram a grupos privados a telefonia, a energia elétrica, as principais estradas e desativaram as linhas férreas. Repassaram bilhões arrecadados em impostos junto ao povo pobre para larápios de todo tipo, que hoje dominam também outros ramos de serviços essenciais, como a Saúde, a Educação, os transportes e a moradia.

Não apresentaram nenhum projeto capaz de melhorar a vida do povo. Nossas cidades se transformaram em gigantescas favelas, sem infra-estrutura e sem condições de abrigar milhões de pessoas que se concentram em suas periferias.

Todos os anos bilhões de reais são carreados do Orçamento do País para pagar juros e amortizações da dívida pública externa e interna. Dívida ilegítima - porque contraída sem o conhecimento de nosso povo-e que só faz crescer, para a alegria de banqueiros e especuladores,principais detentores de seus títulos.

Bancos privados acumulam mais lucros que todos os demais setores da economia juntos, contando com o beneplácito da política monetária, que determina juros altos e ainda socorre os banqueiros, como aconteceu com o Proer de Fernando Henrique e agora no governo Lula.

Verdadeiras máfias com tentáculos nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário lavam suas fortunas, arrancadas do dinheiro desviado dos cofres públicos. Quadrilheiros de todo tipo carreiam essa riqueza para fora do País. Quando são presos não permanecem mais do que dias no cárcere, enquanto jovens atirados aos braços do tráfico varejista de drogas só encontram a morte nas mãos da polícia e a barbárie das penitenciárias.

Banqueiros, grandes empresários, grandes comerciantes,latifundiários do agro-negócio, tecnocratas e executivos constituem uma minoria que exerce o poder através de uma máquina de propaganda e dilapidação dos cofres públicos.

O tráfico de drogas e de armas, bem como a jogatina de caça-níqueis,

o contrabando e outros tipos de jogos de azar baseados em apostas também são práticas que crescem, explorando o vício e servindo para que grupos mafiosos obtenham lucros.

Depois de vinte anos de ditadura militar, que representaram repressão e obscurantismo, a velha elite brasileira ? aliada de grupos econômicos estrangeiros ? montou a democracia da mentira. O brasileiro só tem o direito a votar, mas os eleitos têm o direito de se locupletar de privilégios,de humilhar e espezinhar o povo.

As grandes obras que anunciam visam apenas dois objetivos: servir de palanque eleitoral para candidatos financiados pelos que vão ganhar rios de dinheiro com essas mesmas obras e enriquecer ainda mais os sócios do poder.

Nossa Amazônia está entregue à cobiça de contrabandistas de madeira, exportadores de carne, de soja e ongueiros de todo tipo, correndo o risco de virar deserto em pouco tempo.

Apesar disso, todos os dias o sol brilha sobre nossa terra, trazendo um sopro de vida e esperança que ilumina os rostos de nossa gente.Apesar disso, a água brota de nossas fontes para renovar nossos rios.Apesar disso, as praias de nosso vasto litoral continuam trazendo um enorme tesouro ainda inexplorado.

Acreditamos que existe uma saída para por fim a esses desmandos que nos enchem de vergonha. A saída está justamente no povo brasileiro tomar para si a missão de colocar o País a seu serviço, a serviço da maioria. Cabe ao povo brasileiro, o único setor da sociedade que nunca deteve o poder, assumir definitivamente o seu destino.

Nossa terra foi o palco da resistência dos povos contra o Império português e toda forma de opressão, como a luta dos Povos das Missões, dos palmarinos de Zumbi, dos cabanos do Pará, das revoluções Praieira e Baiana, dos seguidores de Antônio Conselheiro, dos farroupilhas, dos marinheiros de João Cândido e de tantos outros episódios de heroísmo e de manifestações populares e de luta contra a opressão e pela liberdade.

Dessa mesma terra pode e deve brotar um novo movimento, mais uma ferramenta para que, em uma só voz, os pobres do campo e da cidade possam construir uma nova sociedade, justa e igualitária, capaz de dar dignidade ao nosso povo.

Por isso, estamos lançando uma semente, que aqui batizamos de TERRA LIVRE.

Para germinar, criar raízes sólidas, florescer altiva e dar bons frutos ela precisa ser regada cotidianamente com os princípios e valores fundamentais da humanidade: o coletivo acima do individual, a solidariedade em oposição ao egoísmo, a igualdade contra os privilégios,a verdade contra a mentira, a democracia contra o autoritarismo, o conhecimento contra a ignorância, a arte contra o obscurantismo, acultura para aplacar o atraso.

Precisamos de uma organização que coloque os seus integrantes e sua base social como sujeito de sua construção. A sua direção será comandada pelos trabalhadores organizados, politizados e com pensamento crítico e não poderá nunca ser personificada em cima de indivíduos, por mais importantes que eles sejam. Não aceitaremos o mandonismo, o sectarismo e receitas prontas para impor supostas verdades: acreditamos que a libertação de nosso povo será uma obra construída cotidianamente.

Superar a separação entre os que pensam projetos e os que executam tarefas é uma meta que perseguiremos, a partir de um trabalho perseverante e permanente nas frentes de mobilização. Esse esforço também deve estar voltado para combater e enfrentar o machismo, a homofobia, o racismo e outras manifestações segregacionistas que se encontram arraigados em nossa sociedade.

A política correta, a produção econômica mais forte e estável ou as conquistas de nosso movimento dependem da criatividade de nosso povo, das relações em rede e horizontais, da democracia direta. Estimularemos em todas as frentes de ação uma educação libertadora que constrói e democratiza o conhecimento na prática do dia-a-dia.

Nosso movimento lutará por terra, moradia, lazer, trabalho livre e tudo a que nos pertence e é apropriado pelo capital. Mas não faremos isso como moeda de troca ou para lançar candidaturas, nem o faremos para defender governos ou conseguir presentes desses, prática comum daqueles que preferem continuar vivendo ajoelhados.

O governo do presidente operário? mostra a cada dia que, se dá algumas migalhas aos movimentos que organizam os trabalhadores,dá bilhões aos banqueiros e grandes empresários, reprime as lutas e coopta vergonhosamente lideranças das organizações populares.

Lutamos porque necessitamos sobreviver, porque os patrões continuarão arrancando nosso pão e precisamos conquistar a nossa liberdade. Lutaremos para colocar a produção na mão e nas mentes dos trabalhadores. A produção de alimentos da terra comum, de produtos das fábricas ocupadas, de cultura popular e da consciência da necessidade de transformar completamente o mundo.

Um novo mundo é necessário para a própria existência futura da humanidade.

Assim, apresentamos alguns objetivos que julgamos importantes para balizar as ações deste novo Movimento:

Como brasileiros, trabalhadores, intelectuais, estudantes, sem-terra, sem-teto, nos reconhecemos como filhos da nossa América. Compartilhamos com nossos irmãos latino-americanos o mesmo chão, a mesma história, as mesmas dores, as mesmas lutas e as mesmas esperanças. A eles sempre prestaremos nossa solidariedade ativa,assim como aos povos oprimidos pelo tacão do Imperialismo e da opressão em qualquer parte do mundo.

O povo é o maior patrimônio da nação e, como tal, deverá ser respeitado em sua vontade soberana. Violência, tortura e assassinato são crimes que atentam contra a humanidade e não serão admitidos em hipótese alguma. A pena de morte ou a execução sumária não serão toleradas.

Crianças, idosos e deficientes terão sempre tratamento especial, respeitando a experiência e as contribuições dos mais velhos, apostando num futuro digno para as novas gerações e integrando os que sofrem com as limitações que lhes foram impostas pela natureza.

O Poder Popular será construído a partir da vontade soberana do povo, de suas organizações democráticas nos bairros, favelas, vilas, ruas, escolas, repartições públicas e conjuntos residenciais, nos quais deverão prevalecer os interesses da maioria.

A Terra não tem donos, pertence ao seu povo para cultivá-la em forma coletiva e nome de todos. É assim que compreendemos a Reforma Agrária em nosso país. O uso da Terra será destinado prioritariamente ao plantio de alimentos voltados para a mesa da população.

O Brasil precisa de um verdadeiro projeto de Reforma Agrária, ampla e massiva, com assistência técnica permanente e universal, desburocratização da legislação agrária, rito sumário para julgar os processos, com limite da propriedade, o fim do latifúndio e do agronegócio.

A ação direta das massas não se resume em si mesma, podendo e devendo redundar na construção de experiências de sobrevivência econômica de uma comunidade, através de formas de gestão coletiva de produção, em sistema de cooperativas na cidade e no campo. As experiências de reciclagem de papel/papelão, alumínio e plástico, bem como a formação de cooperativas de transportes, são demonstrações dessa possibilidade e devem ser estendidas à produção de bens de primeira necessidade.

Como forma de aferir a vontade do povo sempre estimularemos a realização de plebiscitos e consultas populares, instrumentos de debate e de consolidação do poder popular.

A Educação e a Saúde são bens indispensáveis, portanto, devem ser exclusivamente públicos e de qualidade.

O acesso à cultura é um direito de todos, sem o qual não se pode construir o futuro. Daí porque os meios de produção cultural e de comunicação não podem pertencer a grupos privados, mas ao povo que trabalha e produz, sendo dirigidos para expressar as inúmeras e ricas manifestações culturais em todo o território nacional.

Os meios de comunicação devem funcionar de forma independente,sem censura do Estado ou a subordinação ao interesse econômico de grupos privados, levando a informação e provocando o debate livre e aberto, sempre apresentando os fatos e suas diferentes versões.

As florestas e todos os recursos naturais são patrimônios do povo e todos que as destruam deverão ser denunciados e combatidos com rigor. As riquezas do subsolo, dos rios e das águas litorâneas pertencem exclusivamente ao povo brasileiro.

Para se popularizarem e se tornarem instrumentos da maioria, as modernas tecnologias não poderão aceitar imposições e limites determinados por interesses de grupos privados, que se apoderam de idéias, projetos e técnicas para patenteá-las e obter lucros.

As empresas estatais e os órgãos públicos deverão ser dirigidos exclusivamente por seus servidores concursados, aos quais caberá planejar metas e eleger dirigentes, sempre em consonância e com a participação dos setores da população usuária de seus serviços.

O transporte de massa (trens, metrô, barcas) é a base do planejamento das cidades e caberá ao Estado. Os transportes alternativos serão organizados em sistema de cooperativas de pequenos proprietários, sendo vedada a exploração de outros para o seu funcionamento.

A habitação popular deverá ser desenvolvida com base em mutirões e a supervisão de técnicos, utilizando-se de crédito do Estado e materiais de fácil produção e manuseio. Todos os imóveis fechados ou usados somente para fins de especulação serão encampados pelo Estado e cedidos para a realização da Reforma Urbana.

As práticas esportivas e o acesso ao lazer são direitos de todos e devem ser incentivadas a partir das escolas, centros esportivos e praças públicas, menos como um espírito competitivo, visando ao desenvolvimento das capacidades físicas e mentais, com a preocupação de integrar o indivíduo ao coletivo e a construção de relações solidárias.

Os recursos públicos arrecadados em forma de impostos são determinantes para o progresso. O uso de cada centavo deverá ser objeto de debate público e de transparência, para que todo e qualquer cidadão decida e saiba de sua destinação.

Cabe às Forças Armadas o papel de defender a nação e as fronteiras de qualquer ameaça ou agressão externa. As FFAA estarão sempre subordinadas à vontade popular e seus membros estarão submetidos às leis e tribunais que regem todo cidadão brasileiro.

As forças de segurança serão compostas exclusivamente de servidores civis e basearão suas ações em investigações técnicas e de inteligência, sempre subordinadas ao poder popular.

O desvio de verbas e o vício em licitações públicas são crimes hediondos. Os responsáveis (corruptos e corruptores) terão que cumprira pena cabível e ressarcir os cofres públicos no caso dessas práticas.

Lutaremos por uma nova sociedade, onde não haja exploração,miséria ou guerras. Em que a humanidade viva em cooperação e solidariedade global, um mundo possível enquanto os trabalhadores sentirem no seu sangue a vontade de viver livre.

Com base nesses princípios anunciamos a criação de um novo Movimento político e social, que se somará a todos os demais que se proponham a enfrentar a desigualdade, a injustiça e a opressão. Um Movimento que desenvolverá suas ações organizando os trabalhadores, a juventude e os excluídos do campo e da cidade.

A busca por esses e outros objetivos de interesse geral de nosso povo serão alvos de nossa luta cotidiana, construída com base na organização popular, na qual, acreditamos, o povo brasileiro será o protagonista.


Belo Horizonte, 30 de novembro de 2008.

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